25 de abril de 2011

Compreender as transformações no Status Quo - Distributismo e Trabalho Assalariado

Gosto muito que o Rui Botelho Rodrigues goste muito de mim - isto é amizade viril, logo não tem mal nenhum que se fale desta maneira.
Penso que o Rui, no entanto, tem uma noção muito pouco correcta sobre o que será o Distributismo - por isso é que neste texto o Rui usa uma dialética muito gira: os distributistas são os defensores da preguiça, esses católicos cínicos maníacos com a pobreza (e aparentemente esquecidos do pecado da preguiça), e os capitalistas são os John Galt que puxam a máquina do mundo com o seu investimento privado. Não é, no entanto, de admirar. A escola austríaca é pródiga na teoria económica aplicada a todos as coisas, desde a filosofia ao catolicismo e passando, se possível, pela gastronomia.
O texto do Rui pode ser desmontado argumento por argumento:
- Os distributistas não advogam o retorno à sociedade feudal, mas somente a uma sociedade acapitalista. Existem ainda várias outras formas de vínculo social que não consistem apenas na obtenção do máximo lucro;
- A existência de acumulação de capitais na Idade Média comprova tanto a existência de um pensamento capitalista na mesma como a existência de cooperativas e outras entidades acapitalistas nesta Era comprova o contrário;
Mais um dos problemas imaginários do distributismo não é, Rui, o facto de a população ter crescido e já não haver espaço para dar a todas as famílias um quintal. A verdade é que tal seria possível, e caberia toda a população mundial no estado do Texas, pelo que diz a Overpopulation is a Myth (ver vídeo, 1:02). No entanto, o tema reveste-se de uma problemática social: desde o século XIX não só assistimos à total desprotecção dos pequenos proprietários dos abusos dos mais poderosos, como ao uso do Estado pela parte da burguesia para criar uma população de proletários dispostos a trabalhar a preços baixos. Não nos chateia haver gente com mais comida: chateia-nos ver que as sociedades se afundam sob a ameaça da carestia porque as pessoas não controlam minimamente o seu acesso à alimentação. As pequenas propriedades eram insuficientes para alimentar famílias, dizem os "historiadores" austríacos dos tempos pré-Revolução Industrial - com certeza, mas proliferavam os mercados regionais e a cooperação entre famílias. Querem saber o que mais aumentou com o bum populacional da era capitalista? A prostituição,as doenças venéreas, os divórcios, a morosidade da justiça, as guerras mundiais/totais, a democracia de massas, a vulgarização da religião e da cultura. É incrível que os austríacos usem apenas os critérios materialistas que lhes apetece na sua argumentação. No entanto, connosco não há tretas.

E é neste momento que vemos a peça mais preciosa do edifício argumentativo de RBR: ao contrapor ao "imobilismo" distributista as inovações do espírito capitalista, RBR enumera conquistas... patrocinadas pelos Estados. A criação de vacinas, a Internet, o crescimento da população, computadores, tudo conquistas deste tempo em que o capitalista, para remover todo o tipo de riscos ao seu investimento, usa o Estado. E é aqui que todo o edifício austríaco rui tão desassombradamente como ruiu Cartago, caro Rui: são consideravelmente mais numerosas as inovações feitas através do Estado, directa e indirectamente, nestes últimos dois séculos, do que nos tempos acapitalistas, onde de facto a iniciativa privada era incontestavelmente mais activa que o Estado. Vacinas, Internet, etc. são tudo coisas muito bonitas que só vieram tão rapidamente ao domínio público porque surgiu um enorme investidor, o último investidor capaz de investir a fundo perdido - O Estado.

A criação da mentalidade capitalista preconizada pela escola austríaca está intimamente ligada à criação do Estado Moderno. Os austríacos usam a mesma estrutura filosófica - a rejeição da metafísica, o individualismo metodológico, a Felicidade como resultado da harmonia de Vontades - mas rejeitam o que vem a seguir: o Homem-Massa, o burguês, a manipulação da opinião pública. Explicar a um austríaco que o seu capitalismo é o pai do mesmo socialismo contra quem eles lutam é como procurar ensinar um lobotómico a bater palmas. É o problema de usar dois filósofos medíocres como Rothbard e von Mises (excelentes economistas, no entanto) como fundamento de uma opinião sobre a máquina do Mundo.

Teria muita pena de não falar com o Rui pela Internet, como é claro. No entanto, com os mesmos propósitos da Internet criou-se a Bomba Atómica: será que está para breve o desaparecimento de RBR da blogosfera?

1 comentário:

  1. «(...) são consideravelmente mais numerosas as inovações feitas através do Estado, directa e indirectamente, nestes últimos dois séculos, do que nos tempos acapitalistas, onde de facto a iniciativa privada era incontestavelmente mais activa que o Estado.»

    A sua História é, realmente, bem diferente da minha. Directamente.

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