27 de fevereiro de 2012

Religião, o ópio do povo

Alguns pensadores já tinham associado o ópio à religião e Hegel foi o primeiro a cunhar a celebérrima "religião é o ópio do povo" mas é de Marx que o Mundo inala o seu significado mais lato.

Maquiavel havia recomendado ao "Príncipe" o cultivo da religiosidade para ânimo do povo e desde sempre políticos, muito conscientemente, empregaram a religião com propósitos aglutinadores e de diversão.

Com mais ou menos cedências clericais, o que é certo é que esta é uma manobra de domínio do Estado sobre a Religião mas a contemporaneidade lê na máxima hegeliana uma culpa de sentido inverso. E tem razão!

A culpa não é institucional mas sim do povo religoso, simplificando, da massa cristã anónima. O Povo é alienado pela religião porque não tem consciência crítica da sua relação com Deus. A religiosidade da maioria dos cristãos é meramente ritualista, vazia de significado e oca de interesse.

(Numa sociedade do descartável, a velocidade do uso só permite apreender a forma, negligenciando-se, por contingência de esforço, o conteúdo)

E é claro que uma religiosidade ritualista pode ser aproveitada pela política. Um ritual alimenta-se a si próprio: o seu cumprimento justifica evitar-se o seu incumprimento; a ansiedade sedentária no seu incumprimento justifica o seu cumprimento.

A religião é um caminho do Homem para Deus. Um povo que vive a religião apenas formalmente, não está a percorrer o caminho: parou. E porque parou, distrai-se com as montras.

Se os cristãos cumprissem os desígnios de Jesus e lutassem diariamente pela melhoria da sua vida interior e da relação com os irmãos, paulatinamente a sua actividade religiosa seria mais intensa e segura de si mesma e a religião não seria ópio mas apenas o caminho a que se propõe.

24 de fevereiro de 2012

Chesterton and the Task of Women

Supposing it to be conceded that humanity has acted at least not unnaturally in dividing itself into two halves, respectively typifying the ideals of special talent and of general sanity (since they are genuinely difficult to combine completely in one mind), it is not difficult to see why the line of cleavage has followed the line of sex, or why the female became the emblem of the universal and the male of the special and superior. Two gigantic facts of nature fixed it thus: first, that the woman who frequently fulfilled her functions literally could not be specially prominent in experiment and adventure; and second, that the same natural operation surrounded her with very young children, who require to be taught not so much anything as everything. Babies need not to be taught a trade, but to be introduced to a world. To put the matter shortly, woman is generally shut up in a house with a human being at the time when he asks all the questions that there are, and some that there aren’t. It would be odd if she retained any of the narrowness of a specialist. Now if anyone says that this duty of general enlightenment (even when freed from modern rules and hours, and exercised more spontaneously by a more protected person) is in itself too exacting and oppressive, I can understand the view. I can only answer that our race has thought it worth while to cast this burden on women in order to keep common-sense in the world. But when people begin to talk about this domestic duty as not merely difficult but trivial and dreary, I simply give up the question. For I cannot with the utmost energy of imagination conceive what they mean. When domesticity, for instance, is called drudgery, all the difficulty arises from a double meaning in the word. If drudgery only means dreadfully hard work, I admit the woman drudges in the home, as a man might drudge at the Cathedral of Amiens or drudge behind a gun at Trafalgar. But if it means that the hard work is more heavy because it is trifling, colorless and of small import to the soul, then as I say, I give it up; I do not know what the words mean. To be Queen Elizabeth within a definite area, deciding sales, banquets, labors and holidays; to be Whiteley within a certain area, providing toys, boots, sheets cakes. and books, to be Aristotle within a certain area, teaching morals, manners, theology, and hygiene; I can understand how this might exhaust the mind, but I cannot imagine how it could narrow it. How can it be a large career to tell other people’s children about the Rule of Three, and a small career to tell one’s own children about the universe? How can it be broad to be the same thing to everyone, and narrow to be everything to someone? No; a woman’s function is laborious, but because it is gigantic, not because it is minute. I will pity Mrs. Jones for the hugeness of her task; I will never pity her for its smallness.

- What’s Wrong with the World? (1911)

Estado Ideal

Escrevi este artigo ontem para o blogue da Plataforma Pensar Claro (http://plataformapensarclaro.blogspot.com/2012/02/estado-ideal.html) e deixo a provocação aqui também.

As preferências políticas de Platão são conhecidas. Organizaria uma polis do seguinte modo: à sua cabeça estaria o Filósofo-Rei, aquele que é capaz de alcançar a Verdade que habita no mundo das Ideias e apenas ao alcance dos filósofos; os Guardiões assegurariam a segurança interna e a protecção externa; e os Trabalhadores conceberiam os bens e serviços para a sociedade.

O regime é este embora a sua justificação seja mais extensa. Trata-se de uma Aristocracia na acepção helénica, original: o poder dos melhores. A degeneração política desembocaria, em ordem crescente de doença, no seguinte: Timocracia, o poder dos Nobres (o menor dos males); Oligarquia; Democracia; e Tirania.

Animado por estas proposições, também eu apresento o meu estado ideal: a Teocracia em que o Clero administra espiritualmente e as comunidades, chefiadas pelos seus pastores, se organizam materialmente, ordenando assim esse grande convento que seria o Mundo. Não haveria governante porque o Santo Padre é o representante de Cristo na Terra.

Não é utópico mas é difícil; isto é uma declaração e não uma explicação. As utopias não são irrealizáveis: o que existe é preguiça e ganância. Tudo é possível.

A Democracia é o demónio da política, da sociedade e da intelectualidade no geral. Notoriamente não figura nas minhas preferências políticas. E eu podia dizer tudo isto em qualquer regime, escusam de tentar atirar-me aquela fábula do "só podes ser anti-democrata porque estás em democracia". O que importa é assumir as consequências, isso é que é liberdade.

Como dizia D. Manuel Falcão, Bispo de Beja, o comunismo é uma "ideologia simpática". O comunismo é uma forma exacerbada de Absolutismo. Pelo menos o comunismo prático: a sucessão soviética fez-se por filhos ou "enteados" políticos. Mas para os mais cépticos, atentai na Coreia do Norte. E acompanho D. Manuel Falcão porque gosto do Absolutismo; e ao contrário daqueles que regurgitam "gostas do Absolutismo se fores tu o Rei" eu solicito a sua atenção para a vida em família, uma simpática forma de Absolutismo dos tempos modernos; eu sou filho, note-se. "Gosto disto".

E também me merece a mais profunda estima o Feudalismo. Agora os críticos mais acirrados dir-me-iam que estou em contradição: como posso estimar simultaneamente o Feudalismo e o Absolutismo, o "primus inter pares" e o "l'Etat c'est moi"? Quem disse que era em simultâneo? Platão organizou os regimes e eu também tenho o meu pódio: em primeiro lugar a Teocracia; mas sei que o Homem é tentado, conforme escrevi acima, pela preguiça e pela ganância pelo que o menor dos males seria o Absolutismo. À falta de melhor venha o Feudalismo se bem que com tamanha multidão de poderes a estabilidade dos Povos vê-se ameaçada por cartéis espirituais, pseudo-intelectuais e materiais, senão repare-se que um dos grandes veículos dos Protestantismos ou do Iluminismo foi a Nobreza. Mas, mais uma vez, respeito o Feudalismo: quando não há capacidade de centralizar o poder valem mais os pequenos absolutismos do que a Democracia que é lixo.

O grande problema da teoria política é a vigilância dos poderes ("quem guardará os guardas?", adaptando o espírito da retórica), resolvido que está, acham, a questão da organização política das sociedades. Apregoa-se a descentralização e os regionalismos, exigem-se reformas administrativas profundas e os órgãos de soberania tornam-se feiras: meus caros, o mal não está na centralização mas sim na corrupção; e entre a corrupção e a centralização ainda está a ignorância do terreno. Por muito honesto que seja o nosso governante, no geral não sabe o preço do café... para bom entendedor meia palavra basta.

Compreendo o "bom selvagem" mas não suporto as teorias que defendem que o Homem é honesto até ser exposto à tentação: se é assim tão bom não devia ser mau, "a árvore boa dá bons frutos". Só em quem não tem a certeza naquilo em que acredita é que as tentações surtem efeitos.

Não gosto de Maquiavel e todos os dias tento convencer-me que o que ele escreve é mentira porque abomino que se exponha o mal dos outros em tão grande edital. Maquiavel ofende a Humanidade pela desabrida forma com que a acusa de deslealdade. Mas talvez este tenha razão. Vejamos um exemplo familiar de maquiavelismo político (atenção que maquiavelismo não é maldade mas sim teoria política de Maquiavel): o Estado Novo (já Pombal é maquiavélico não por seguir Maquiavel mas por ter sido um indivíduo maldoso). O professor António de Oliveira Salazar sabe que os seus seguidores podem ser tentados, desconfia da sua lealdade; até António Ferro conheceu isso, já para não falar de Aristides de Sousa Mendes, um homem da confiança de Salazar mas que desobedeceu às directivas. O Estado português era mais importante do que as relações entre os ministros e os homens do governo propriamente ditas; a população portuguesa precisava de confiar absolutamente no seu Governo e o concerto não podia desafinar por melhor que fossem as intenções pessoais. No maquiavelismo político não há "brainstormings" de gabinetes, não há originalidade e diversão, não há psicoterapia de grupo nem vitórias pessoais muito menos iniciativas particulares: há o Estado e os seus servidores.

Não gosto de Maquiavel porque quero discrição na crítica o que não mais é do que caridade e respeito pela imperfeição que nos pode tocar também. Mas reconheço-lhe todos os méritos políticos na sobrevivência do Estado e alguns dos seus intérpretes, como Salazar, souberam tornar-se mais discretos.

Mas ninguém me tira que se eu fosse muçulmano seria iraniano. Mas pela graça de Deus sou católico numa Europa secular, laica nas parangonas (melhor, anti-cristã), libertária e contrária à verdadeira liberdade.

A Liberdade é um estado espiritual e não físico e dependente do próprio, não de terceiros. Somos livres quando sabemos distinguir a bondade e a maldade de um acto suportando as respectivas consequências. Não somos livres quando fugimos às responsabilidades nem quando ignoramos o que fazemos.

Este é o nosso tempo por muito que idilicamente o rejeitemos. Provavelmente não conseguiremos fazer retornar o Feudalismo; dificilmente instalaremos o verdadeiro Absolutismo e ainda mais a Teocracia. Mas a utopia não é irrealizável.

Confio na honestidade do ser humano, a Teocracia só funcionará se não houver interesses pessoais nas chefias.

19 de fevereiro de 2012

Sobre as Palavras do Cardeal

aconselha-se a leitura do blogue Crónicas de uma peregrinação

"Por que deve ser a mãe a ficar em casa e não o pai?"
Para qualquer um que não se vergue à teoria (nunca comprovada) da igualdade de género, é óbvio que um bom pai jamais substitui uma boa mãe.

O que está, isso sim, comprovado, é que o vínculo materno é algo essencial para o bem-estar psicológico da criança de uma forma que mais nenhum vínculo (incluindo o paterno) consegue fazer. Remeto-vos para os estudos do Dr. Bowlby. Isto porque, enquanto o vínculo paterno é construído ao longo da vida da criança mediante um sentido de honra e responsabilidade (a afectividade tem de ser construída), o vínculo materno é estabelecido imediatamente após o parto com um pico hormonal (nomeadamente de occitocina) e é reforçado nos primeiros dias pós-parto com a experiência da amamentação. A partir daqui, a mãe será sempre insubstituível na criação e educação da criança.

Disclaimer: Não estou a dizer que o pai não tem um papel na criação e educação da criança. Limito-me a dizer que o seu papel é diferente e não é transacionável com o papel materno.

Efeitos da descristianização

Casos como o desta notícia têm vindo a multiplicar-se ultimamente com preocupante frequência: são um sintoma notório do estado de degradação moral das sociedades modernas e um efeito inesperado da descristianização que lhes foi imposta, mas desta directamente decorrente.

Banido o Cristianismo, ou ao menos marginalizada ao máximo a sua influência moral no mundo contemporâneo, o paganismo pré-cristão retorna a galope com todas as suas aberrações e taras, reintroduzindo em quase total impunidade os sacrifícios humanos (aborto e eutanásia), a escravatura mais ou menos dissimulada (desde os abusos laborais cada vez mais recorrentes até ao infame tráfico de pessoas para desfrute sexual) e as idolatrias de todo o tipo (na forma mediata da adoração do poder venal, do dinheiro fácil e da sexualidade desregrada; ou na forma imediata dos cultos gnósticos, satânicos e luciferianos).

Sem dúvida que estes efeitos serão inesperados para alguns - para alguns… - dos sequazes da descristianização hodierna, mas também perfeitamente previsíveis para qualquer cristão com um mínimo de consciência e conhecimento histórico. Na verdade, quando o homem não tem qualquer outro limite que não o dos caprichos atingíveis pela sua vontade, nem tem a temer outras sanções que não as impostas pela muitas vezes risível justiça humana, sucessos como os da notícia em apreço passam a acontecer… e com preocupante frequência. Afinal, hoje em dia, quem é que ainda se preocupa com os pecados que bradam aos céus, tais como o não pagar o salário justo ao trabalhador ou o oprimir os pobres?.. Alguns… Poucos… Cada vez menos…

Contra a instrumentalização do trabalho

Aqui fica mais um interessantíssimo artigo de Juan Manuel de Prada, originalmente publicado no "Religión en Libertad", em apoio de um dos pontos mais caros à Doutrina Social da Igreja - o da defesa da dignidade do trabalho contra a sua instrumentalização em mero factor de produção.

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Hace casi un siglo, Chesterton, analizando la obra de Aldous Huxley Un mundo feliz, donde se nos describe una sociedad futura sometida a un feroz proceso de alienación, escribía:

—Pero esta misma obra se está realizando en nuestro mundo. Son gente de otra clase quienes la llevan a cabo, en una conspiración de cobardes. (...) Nunca se dirá lo suficiente que lo que ha destruido a la familia en el mundo moderno ha sido el capitalismo. Sin duda podría haberlo hecho el comunismo, si hubiera tenido una oportunidad fuera de esa tierra salvaje y semimongólica en la que florece actualmente. Pero, en cuanto a lo que nos concierne, lo que ha destruido hogares, alentado divorcios y tratado las viejas virtudes domésticas cada vez con mayor deprecio, han sido la época y el poder del capitalismo. Es el capitalismo el que ha provocado una lucha moral y una competencia comercial entre los sexos; el que ha destruido la influencia de los padres a favor de la del empresario; el que ha sacado a los hombres de sus casas a la busca de trabajo; el que los ha forzado a vivir cerca de sus fábricas o de sus empresas en lugar de hacerlo cerca de sus familias; el que ha alentado por razones comerciales un desfile de publicidad y chillonas novedades que es por naturaleza la muerte de todo lo que nuestras madres y nuestros padres llamaban dignidad y modestia.

Chesterton definía el capitalismo como una «conspiración de cobardes», porque tal proceso de alienación social no lo desarrolla a las bravas, al modo del gélido cientifismo comunista, sino envolviéndolo en coartadas justificativas más o menos merengosas (pero con un parejo desprecio de la dignidad humana). Lo vemos en estos días, en los que se nos trata de convencer de que una reforma laboral que limita las garantías que asisten al trabajador en caso de despido o negociación de sus condiciones laborales... ¡favorece la contratación! Es algo tan ilógico (o cínicamente perverso) como afirmar que el divorcio exprés favorece el matrimonio, o que la retirada de vallas favorece la propiedad; pero el martilleo de la propaganda y la ofuscación ideológica pueden lograr que tales insensateces sean aceptadas como dogmas económicos. Lo que tal reforma laboral favorece es la conversión del trabajador en un instrumento del que se puede prescindir fácilmente, para ser sustituido por otro que esté dispuesto a trabajar —a modo de pieza de recambio más rentable— en condiciones más indignas, a cambio de un salario más miserable. Pero toda afirmación ilógica encierra una perversión cínica: del mismo modo que de un divorcio se pueden sacar dos matrimonios, de un despido también se pueden sacar dos puestos de trabajo (y hasta tres o cuatro); basta con desnaturalizar y rebajar la dignidad de la relación laboral que se ha roto, sustituyéndola por dos (y hasta tres o cuatro) relaciones degradadas, en las que el trabajador es defraudado en su jornal. Y defraudar al trabajador en su jornal es un pecado que clama al cielo; lo recordaba todavía Juan Pablo II en su encíclica Laborem exercens.

Lo que subyace en esta reforma laboral es la conversión del trabajo en un mero «instrumento de producción»; en donde se quiebra el principio medular de la justicia social, que establece que «el trabajo es siempre causa eficiente primaria, mientras el capital, siendo el conjunto de los medios de producción, es sólo un instrumento o causa instrumental» (Laborem exercens, 12). La quiebra del orden social del trabajo, la «conspiración de los cobardes» que avizorase Chesterton hace casi un siglo, prosigue implacable sus estrategias. Y llegará, más pronto que tarde, la venganza del cielo.

Juan Manuel de Prada

14 de fevereiro de 2012

Aristocracia, plebeyos y mundo moderno

Cortesía de Infocaótica

“Yo no sé que va a pasar con el resto de la aristocracia que nos queda. Es decir, yo no sé que va a ocurrir con el predominio de las facultades superiores sobre las inferiores que es lo que configura al aristócrata, dónde irá a refugiarse lo que queda de esta aristocracia; porque la aristocracia es como un don de Dios, que siempre habrá de surgir; lo que no sé es dónde irá a refugiarse.
Los grupos de aristócratas están hostigados por lo que llaman la rebelión de las masas, es decir, por esa especie de epidemia de plebeyismo, esta contaminación y propagación que lo va invadiendo todo sin que se la pueda parar y que tiene a su orden los instrumentos de decisión y destrucción más grandes que haya tenido la historia del mundo, proporcionados por la técnica moderna, entregada al servicio del plebeyismo, de lo bastardo, de lo común, de lo ordinario, y de lo feo. Es como la vulgar caída en manos de una civilización comercial y logrera. El comerciante o mercader no es noble, sino por casualidad, pero de suyo no es noble. Siempre se han distinguido, los nobles de los mercaderes. El fin del mercader es ganar dinero y este fin -el 'lucro intangible'-, es poco noble, porque el lucro no tiene límites. Todas las cosas naturales tienen límites y son perfectas o tienden a la perfección cuando se conforman a su propia naturaleza; y el lucro por sí solo no se limita, y si no lo limitan desde afuera o desde arriba tiende a crecer enormemente, como un abrojal. Por eso siempre el mercader ha estado sometido a una clase superior que, porque los tenía, le imponía sus propios límites. El guerrero, por ejemplo, tenía una moral condicionada a su estado y se podía en consecuencia imponer estos límites. Pero ahora ocurre que el mercader es el que está blandiendo la espada del guerrero; está por encima de todo. El dinero lo dirime todo y el mercader por oficio está destinado al dinero. El mercader lo único que hace es cambiar las cosas, no crea nada. No se trata de que sea o no útil o inútil; humanamente es necesario. Los aristócratas de nacimiento, o los que se han hecho aristócratas por sus virtudes o por sus sabidurías en este mar de plebeyismo que se ha desencadenado en el mundo actual, suponen una vida de sacrificio, una vida heroica, una vida de triunfo sobre las propias pasiones; por eso en la Edad Media era tan considerado un sabio como un guerrero.”

Leonardo Castellani

10 de fevereiro de 2012

Sobre e contra a usura


Proveniente do excelente blogue católico tradicional brasileiro “Vida Sacerdotal”, aqui fica um excerto da tradução, de autoria de Nina Batista, de um texto fulcral de Hilaire Belloc, “Sobre a usura”, merecedor de leitura integral.

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(…) os juros sobre um empréstimo podem constituir, sob certas circunstâncias de tempo ou extensão, uma exigência de tributação impossível. Podem representar em determinado contexto um tributo moralmente indevido, que não traduz produção extra de riquezas gerada pelo investimento original. Sob certas condições, os valores exigidos não equivalem mais o fruto do investimento original, não correspondendo, portanto, à remuneração de parte dos lucros, mas sim a um pagamento a ser feito, se possível, a partir de quaisquer outros bens que o devedor possa obter. E esse tributo, além de certo ponto, torna-se mesmo impagável, devido à inexistência na sociedade dos meios suficientes para tanto.

Que circunstâncias são essas? Que condições distinguem a exigência de juros moralmente legítima da ilegítima?

A distinção se dá entre a cobrança moral de parte dos frutos de um empréstimo produtivo e a exigência imoral de juros sobre um empréstimo improdutivo ou juros superiores ao incremento anual em riquezas efetivas geradas por um empréstimo produtivo. Tal exigência “esgota” – “consome” – “exaure” as riquezas do devedor, sendo por isso denominada “Usura”. Uma derivação imprecisa em termos filológicos, mas correta sob o ponto de vista moral, conecta o termo latino “usura” à ideia de destruir, “exaurir”, e não à idéia original do termo “usus,” “uso”.

A Usura, portanto, é a cobrança de juros sobre um empréstimo improdutivo ou de juros superiores ao incremento real gerado por um empréstimo produtivo. É a exigência de algo ao qual o credor não tem direito, como se eu dissesse: “Pague-me dez sacas de trigo ao ano pelo aluguel destes campos”, após os campos terem sido tragados pelo mar ou terem passado a produzir anualmente muito menos do que as dez sacas de trigo.

Devo, com relutância, introduzir aqui um significado coloquial do termo “Usura” que confunde o raciocínio. As pessoas falam de “juros usurários” referindo-se a juros muito elevados. A forma como surgiu essa confusão é elementar. Juros muito elevados são geralmente superiores à riqueza real produzida até mesmo por um empréstimo produtivo, e cobrá-los significa, de fato, cobrar mais do que a produção do empréstimo original; mas não há nada na taxa de juros per se que a torne usurária. É possível cobrar juros de cem por cento sobre um empréstimo e estar em pleno exercício de seus direitos morais.

Por exemplo, uma pequena área de mineração que produzia 15 kg de ouro por ano tem a súbita oportunidade de produzir 200 vezes essa quantidade – 3.000 kg – com a obtenção do capital equivalente a apenas 30 kg para desenvolvimento. O credor desse novo capital não tem a obrigação moral de ceder ao devedor, como presente, os lucros imensamente maiores. É legítimo que reivindique sua parte; ele poderia muito bem exigir metade da nova produção, ou seja, 1.500 kg ao ano, 500 por cento sobre o empréstimo, pois esses juros altos corresponderiam apenas à metade da nova riqueza produzida. A demanda desses 500 por cento não representaria cobrança de tributo sobre riqueza inexistente, nem sobre riqueza que não foi criada pelo capital investido.

Portanto, a rigor a Usura nada tem a ver com a quantidade de juros cobrados, mas sim com o fato de haver ou não um incremento produzido pelo capital investido que seja pelo menos igual ao tributo exigido.

Caso seja necessário avalizar uma posição moral tão evidente, esse aval pode ser encontrado em todos os principais sistemas morais sancionados pelas filosofias religiosas e sociais permanentes adotadas pela humanidade. Aristóteles a proíbe, assim como São Tomás de Aquino. O sistema ético maometano a condena [e, na prática, faz uma condenação ininteligível, ao proibir muitos empréstimos que seriam úteis]. Temos, em particular, a brilhante decisão do Quarto Concílio de Latrão [1215].

Tudo certo até este ponto. Vejamos agora o desenvolvimento muito interessante que se deu nos tempos modernos, desde o rompimento de nosso sistema moral e religioso comum europeu, com a Reforma Protestante. Após esse desastre, a Usura passou a ser gradualmente admitida. Tornou-se prática comum sancionada pela legislação, com pagamento imposto pela magistratura civil. Na Inglaterra, foi sob o reinado de Cecil, no ano de 1571, que os juros, embora limitados a dez por cento, tornaram-se legais, independentemente da utilização do empréstimo. O ano de nascimento do que se pode chamar “Usura Indiscriminada” foi 1609, quando, sob o Calvinismo, o Banco de Amsterdã iniciou sua próspera carreira em estimular a capacidade dos afortunados e arruinar os desafortunados. De forma geral, os governos que se desligaram da unidade representada pela Cristandade introduziram, um após o outro, a Usura legalizada, obtendo vantagem sobre as nações conservadoras que se empenhavam em manter o antigo código moral. Às novas ideias morais, ou melhor, imorais assim introduzidas, devemos o rápido desenvolvimento do sistema bancário nas nações “reformadas”, bem como o controle financeiro que adquiriram e mantiveram por três séculos. Por fim, todos se adequaram ao novo sistema, e hoje a Usura atua lado a lado com o lucro legítimo e, confundida com ele, universalizou-se no que já foi a civilização Cristã. É ponto pacífico que todo empréstimo deve produzir juros, sem questionamento quanto ao seu caráter produtivo ou improdutivo. Todo o aspecto financeiro de nossa civilização ainda se baseia nesse falso conceito.

Seria possível escrever um ensaio muito interessante sobre os mais recentes frutos de tal concepção em nossos tempos. Se porventura viesse a ser escrito, um bom título seria “O fim do reinado da Usura”. Afinal, vem-se tornando muito claro que o vício inerente ao sistema responsável, tempos atrás, pela derrocada da estrutura social do Império Romano começa a fazer ruir também nossas transações financeiras internacionais. Contudo, com a seguinte diferença: eles foram arruinados pela Usura particular e nós, pela pública.

Monarquia Corporativa

texto de Flávio Alencar para a revista Aquinate
A prática política ibérica baseava-se num modelo de Monarquia tradicional ou orgânica, de raiz medieval, em que o rei era, entre os grandes senhores, um primus inter pares. O rei não concentrava as decisões, mas vigorava o princípio da subsidiariedade, segundo o qual as instâncias de poder mais locais devem em geral resolver as questões de que sejam capazes. Conforme a necessidade, apelar-se-ia a esferas mais altas, que têm assim um papel subsidiário, se responsabilizando por empresas e encargos que fogem da capacidade da família e do município, e administrando a justiça. A Monarquia orgânica estruturava-se hierarquicamente, como uma pirâmide em que no cimo há muita autoridade e pouco poder, e na base há muito poder e pouca autoridade. O poder dos senhores locais sustentava a autoridade do rei, que assumia assim a figura de pai, senhor e juiz de todos. Os súditos devem respeitar e obedecer ao rei como pai, e o rei deve ser justo, solícito e misericordioso para com os súditos como para com filhos seus. Neste contexto, se podem entender os mecanismos de lealdade e de concessão de graças e mercês que marcam a relação entre rei e súditos nas sociedades de corte no Antigo Regime.

Em Portugal e Espanha, a Monarquia tradicional se assentava sobre um paradigma corporativo, como tem salientado um número cada vez maior de historiadores, seguindo a senda indicada por António Manuel Hespanha e Angela Barreto Xavier. Esta historiografia aponta para a necessidade de compreender o Antigo Regime Ibérico a partir de seus próprios usos e costumes, instituições e práticas. Aplicar, no estudo das sociedades de Antigo Regime, noções próprias da democracia liberal que sucedeu a Revolução Francesa – no caso do direito, p.ex., a noção de direitos individuais, de fundo racionalista – é condenar-se a não compreender essas sociedades em razão do anacronismo dos conceitos empregados. Aliás, esta acusação de anacronismo é a que, no caso do Brasil, fazem os partidários da idéia de Antigo Regime nos trópicos – estribada no paradigma corporativo – aos que defendem a noção de Antigo Sistema Colonial, prenhe de uma inegável visão economicista da História.

9 de fevereiro de 2012

A Monarquia de amanhã


A Monarquia de amanhã será a Monarquia de sempre: católica, tradicional, orgânica, antimoderna e portanto ultramoderna. Proclamemos, pois, em uníssono: Nos liberi sumus, Rex noster liber est, manus nostrae nos liberverunt! (Nós somos livres, o nosso Rei é livre, as nossas mãos libertaram-nos!)

8 de fevereiro de 2012

António Sardinha e o Carlismo

Fonte: Azevedo Correia J e Santos JM. António Sardinha, o Carlismo e o regresso à Madre-Hispânia. Ayuso M (ed). A los 175 años del Carlismo: Una revisión de la Tradición política hispánica. Itinerarios/Fundación Elías de Tejada. Madrid, 2011. 157-174 (173-174).

É imperativo saber, depois de tudo isto, o que leva o Carlismo a manter-se com importância ao longo de quase dois séculos, quando tantas formas políticas da sua época já não são sequer lembradas. Na perspectiva do nosso António Sardinha, isto é ainda mais claro.
Primeiro, porque o Carlismo é uma forma de pensamento Cristão e Católico onde não sucedeu o retrocesso do político face à Justiça. Ao contrário de algumas formas de Catolicismo que vão progredindo através de sucessivas concessões ao seu tempo, o Carlismo não apresenta o elemento político como estanque ou imune à sociedade, mas também não aceita o princípio moderno (ou modernista) de que o governo é mera emanação da vontade da sociedade. No Carlismo a communio é o elemento político por excelência, porque só dessa forma é possível manter o núcleo da Justiça intocada perante aquelas maiorias e minorias que a querem tomar como arma para o seu plano privado de poder. Num momento em que o Poder se encontra à solta e em que ninguém questiona os limites do poder democrático e da vontade humana, esta é uma lição fundamental, que mesmo poucos católicos parecem compreender.
Em segundo lugar, porque o Carlismo, e sua forte tendência Hispanista, é uma reflexão sobre a identidade dos povos que permite compreender o “político” através de uma dimensão narrativa. O Carlismo possui uma vertente dinâmica que compreende as comunidades num seguimento narrativo que é o oposto da doutrina constitucional actual. Esta última, ao tomar o momento constitutivo da comunidade política como acto da vontade ex-nihilo, procede a um conjunto de cortes com a Realidade. Na sua demência, o constitucionalismo actual opera mediante um conjunto de reflexões sobre os seus próprios actos e percepções, em vez de se pensar a justiça da norma, é pensada a vontade do legislador, o que conduz a que a comunidade política se encontre vinculada pela vontade de outros e não pelo valor intrínseco da lei. As portas abertas por esta forma de pensar a todo o tipo de injustiças, são por demais evidentes. O Carlismo, porém, opera num contexto de continuidade histórica, em que a comunidade se compreende e referencia face a elementos históricos e transcendentes (Portugal às Espanhas, as Espanhas a Roma, Roma a Atenas e Jerusalém). Pode-se assim falar de um pensamento que é revolucionário, no sentido em que esta palavra significa a adequação da matéria ao “real” – verdadeira essência das coisas –, mas que sabe que a identidade só pode ser um continuum de gerações, em que, como viram Burke e Chesterton, os vivos não têm o direito de destruir a obra dos que não estão (os nossos maiores e os nossos descendentes).
O Carlismo tem também uma palavra para o nosso tempo, porque hoje vivemos na Ibéria. Portugal é Ibéria, a Espanha é Ibéria, o Benelux (nome que bem poderia ser uma marca de sabonete de baixo custo e nada representa senão a ânsia funcionalista do nosso tempo) é Ibéria. A Ibéria é o país inventado, sem referências e tradições, sem povo, onde se vive uma pequena parcela de cosmopolitismo e onde toda a comunidade (e Justiça) é afastada do léxico e da esfera pública. Vivemos numa Europa Unida em que todas as perspectivas são válidas, excepto a perspectiva que não se ajoelha perante o altar da subjectividade, em que todos têm direito à tolerância, excepto os que se consideram portadores de Verdade. Vivemos numa gigantesca consumer-nation em que os políticos são eleitos e reeleitos pelos seus feitos económicos e de gestão. Temos energia, água canalizada, segurança-social! Não temos um pingo de justiça e achamos que uma mulher pode decidir se o seu filho vive ou morre, consoante o seu apetite diário. Achamos desnecessária a reflexão sobre “o que é a vida humana” e tomamos como válida a resposta de cada um, por mais irreflectida, ilógica ou inválida que seja. Temos documentos constitucionais por todo o continente que fazem dos povos da Europa nações confessionais (Alemanha, Polónia, Irlanda, Grécia, Malta, Dinamarca, p.ex.) e, no entanto, vemos descrita a Europa como cristalizadora dos princípios de separação do Estado e da Igreja, de laicismo e de secularidade total e todas as referências ao Cristianismo serem apagadas do diálogo público (substituídas pela linguagem dos Direitos Humanos, dos interesses do consumidor ...). A futura constitucionalização, que inclui um fundamento laico a essas da Europa não deve ser vista como um coup d’état?
Por fim, o Carlismo tem sentido no mundo de hoje, porque tem capacidade de repetir a influência que teve em António Sardinha. Precisamos de mudar esse Catolicismo difuso e procedimental misturado de um conservadorismo ideológico, como o primeiro de António Sardinha, a um pensamento que assume Cristo como facto essencial e critério supremo de justiça da alma e da cidade.
Se assim fôr, a mensagem civilizadora das Espanhas não se deu por terminada.

Jorge Azevedo Correia e Juan Matías Santos

6 de fevereiro de 2012

Que Monarquia queremos?


Constato o grande entusiasmo que nos últimos dias tem percorrido parte da blogosfera lusa, a propósito de um manifesto em defesa da restauração da Monarquia promovido por pessoas que individualmente reputo de estimabilíssimas; porém, numa perspectiva metapolítica inspirada pelo Catolicismo tradicional, não compartilho desse entusiasmo.

Em Portugal, a Monarquia ou será cristã e tradicional ou não será. Conforme já referi em momento anterior, trata-se desde o começo de uma questão inquinada o debater se o Chefe de Estado - o Presidente da República… - deve adornar a sua cabeça com um chapéu comum ou com um chapéu mais invulgar conhecido pelo nome de “coroa”. Pelo contrário, a Monarquia só terá razão de ser se, acima da questão da forma de exercício da chefia do Estado, se souber apresentar como verdadeira alternativa ao regime político vigente, constituindo-se em poderoso factor de regeneração nacional e de recuperação da tradição histórica portuguesa, bem como em primacial opositora da revolução cultural anticristã promovida pelo republicanismo no seu sentido mais lato. Só assim a Monarquia fará sentido e só desta maneira será.

Ao invés, para alterar simplesmente a forma de exercício da chefia de Estado, mas manter intocado o republicanismo e a marcha destrutiva da sua revolução cultural anticristã, o melhor mesmo é deixar as coisas tal qual elas estão. Ou alguém será ingénuo o bastante ao ponto de supor que tal revolução é menos virulenta, por exemplo, nas “monarquias” do Reino Unido, Holanda ou Espanha (onde os Presidentes da República usam coroa…) do que nas repúblicas dos Estados Unidos, de França ou Portugal?.. Quero crer que não…

Compreender a Dívida Pública