2 de julho de 2012

"A Canticle for Leibowitz", de Walter M. Miller, Jr.


Publicado originalmente no ano de 1960 e desde então objecto de sucessivas reedições, “A Canticle for Leibowitz”, da autoria de Walter M. Miller, Jr. é um livro que surpreende muitíssimo pela positiva o leitor: dividido em três histórias distintas mas interligadas - “Fiat Homo”, “Fiat Lux” e “Fiat Voluntas Tua” -, ambientadas em três épocas diferentes (respectivamente nos anos de 2560, 3174 e 3781 depois de Cristo), a sua trama decorre num mundo pós-guerra atómica ocorrida em finais dos anos 60 do século XX, tendo por centro de acção uma abadia da imaginária Ordem de São Leibowitz, localizada no que é hoje o deserto do Utah, cujos respectivos monges se dedicam à preservação de todo o conhecimento científico existente previamente à catástrofe atómica com a finalidade de salvaguardá-lo para as gerações vindouras, tudo num ambiente de profunda e rigorosa ortodoxia católica muito semelhante ao dos actuais mosteiros beneditinos tradicionalistas.
“A Canticle for Leibowitz”, muito mais do que um simples livro de ficção científica, categoria em que habitualmente é enquadrado, é uma autêntica metáfora do papel civilizador da Igreja Católica no decurso da História, muito em especial nas épocas de barbárie, sejam estas de barbárie em sentido estrito ou em sentido mais lato decorrente da decadência moral do género humano.
Em “Fiat Homo”, ambientada no ano de 2560, o mundo retroagiu a um estado próximo ao que já viveu durante os anos de 600 a 1000 da nossa era. A sofisticada civilização material do século XX desvaneceu-se por completo. Hordas de perigosos nómadas primitivos e ignorantes devastam a maior parte do que foi outrora o território dos Estados Unidos da América. Numa abadia católica do deserto do Utah, os monges da Ordem de São Leibowitz (São Leibowitz ou Isaac Edward Leibowitz, engenheiro electrotécnico judeu que no último quartel do século XX, já depois da guerra atómica, se converteu ao Catolicismo, que dedicou o resto da sua vida à missão que viria a ser também a da ordem de que foi fundador - a salvaguarda de todo o conhecimento científico - e que morreu martirizado) mantêm aceso o farol da civilização no meio das trevas em que o mundo mergulhou.
Em “Fiat Lux”, passada no ano de 3174, o mundo ascendeu a um nível civilizacional idêntico ao dos anos de 1600 a 1800. Na Abadia de São Leibowitz, o seu abade trava intenso debate com um cientista, representante de um mundo onde o secularismo recomeça as suas razias, que sustenta a incompatibilidade entre a fé e a razão, entre a fé e o conhecimento científico, conseguindo contradizê-lo e refutá-lo por completo. Entretanto, a mesma abadia é o primeiro edifício em doze séculos a ter iluminação eléctrica…
Por fim, em “Fiat Voluntas Tua”, decorrida no ano de 3781, o mundo encontra-se novamente num zénite civilizacional. A humanidade reiniciou as viagens espaciais (actividade estudada na Abadia de São Leibowitz) e existem colónias humanas instaladas noutros planetas habitáveis; porém, o perigo da ocorrência de outra guerra atómica, num planeta Terra dividido em dois grandes blocos geopolíticos em constante escalada belicista, é enorme. Nesta conjuntura, o último abade da Abadia de São Leibowitz, em face do trágico desenrolar dos acontecimentos e dos dilemas por estes colocados, vê-se forçado a confrontar amargamente um médico, funcionário público de um Estado totalmente irreligioso, em defesa de vida humana e contra aquilo a que hoje chamamos de “cultura da morte”. Esta última história é sem dúvida a melhor e a mais emocionante das três que compõem “A Canticle for Leibowitz”, aquela que mais apela à consciência do leitor contemporâneo, nela impressionando o modo como logo em 1960 Walter M. Miller, Jr., de resto autor de vasta cultura católica, anteviu e figurou a tendência niilista anticristã que se afirmaria nas sociedades ocidentais nas décadas seguintes.
Por todo o exposto, “A Canticle for Leibowitz” é leitura que se recomenda vivamente, ideal para ser feita nos dias de férias de Verão que se aproximam. Sublinhe-se que este livro está traduzido para português sob o título “Um Cântico a Leibowitz”, tendo em Portugal sido alvo de uma primeira tradução na extinta “Colecção Argonauta”, encontrando-se presentemente disponível no mercado em edição da responsabilidade da “Europa-América”.

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